Saúde dos Enfermos
A invocação da Santíssima Virgem como Salus infirmorum (Saúde dos enfermos ou Nossa Senhora da Saúde) é das mais antigas da tradição cristã, com inúmeras reminiscências bíblicas e patrísticas, para além da devoção popular.
Enquanto Mãe de Jesus, Deus feito homem, Nossa Senhora está intimamente ligada à obra de salvação do seu divino Filho. Os Evangelhos relatam-nos imensas curas operadas por Jesus durante a sua vida mortal e tais milagres eram realizados como sinal de um poder maior: a cura daquela radical enfermidade humana que é o pecado. Esta obra de redenção é consumada na sua Paixão e Morte: cumprindo as antigas profecias, Jesus carrega sobre si as nossas enfermidades e pecados, tornando-nos participantes da sua própria vida divina.
Maria junto à Cruz participa das dores de seu Filho e torna-se Mãe de todos os discípulos de Cristo simbolizados no discípulo amado, São João Evangelista, a quem Jesus A confia. Assim, a par da Paixão do Senhor, podemos falar da Com-paixão da Senhora, invocada pelo povo cristão como Mater dolorosa (Mãe dolorosa ou Nossa Senhora das Dores).
Se é verdade que a Sagrada Escritura não refere nenhuma cura operada pela Virgem Maria durante a sua vida mortal, já que a missão de ensinar, curar e santificar foi confiada aos Apóstolos, também é certo que, uma vez elevada ao Céu em corpo e alma, Nossa Senhora jamais abandonou os seus filhos ainda peregrinos sobre a terra. Tal como no Evangelho intercedia junto de seu Filho em favor dos necessitados, também agora Lhe apresenta continuamente as nossas necessidades.
Os Doutores da Igreja falam da "onipotência suplicante" de Maria, e o povo cristão invoca-a como Medianeira da divina graça, Advogada poderosa, Saúde dos enfermos, Refúgio dos pecadores, Consoladora dos aflitos, Auxílio dos cristãos e outros numerosos títulos.
Nossa Senhora Medianeira
1. Entre os títulos atribuídos a Maria no culto da Igreja, o capítulo VIII da Lumen Gentium recorda o de “Medianeira”. Embora alguns Padres conciliares não compartilhassem plenamente essa escolha (cf. Acta Synodalia III, 8, 163-164), este apelativo foi inserido de igual modo na Constituição Dogmática sobre a Igreja, como confirmação do valor da verdade que ele exprime. Teve-se, porém, o cuidado de não o ligar a nenhuma particular teologia da mediação, mas de elencá-lo apenas entre os outros títulos reconhecidos a Maria.
O texto conciliar, além disso, refere-se já ao conteúdo do título de “Medianeira” quando afirma que Maria, “com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna” (LG, 62). Como recordo na Encíclica Redemptoris mater, “a mediação de Maria está intimamente ligada à sua maternidade e possui um caráter especificamente maternal, que a distingue da mediação das outras criaturas” (n. 38). Deste ponto de vista, Ela é única no seu gênero e singularmente eficaz.
2. Às dificuldades manifestadas por alguns Padres conciliares acerca do termo “Medianeira”, o mesmo Concílio cuidou de responder, afirmando que Maria é “para nós a Mãe na ordem da graça” (LG, 61). Recordamos que a mediação de Maria se qualifica fundamentalmente pela sua maternidade divina. O reconhecimento do papel de Medianeira está, além disso, implícito na expressão “nossa Mãe”, que propõe a doutrina da mediação Mariana, pondo em evidência a maternidade. Por fim, o título “Mãe na ordem da graça” esclarece que a Virgem coopera com Cristo no renascimento espiritual da humanidade.
3. A mediação materna de Maria não ofusca a única e perfeita mediação de Cristo. O Concílio, com efeito, depois de ter mencionado Maria “Medianeira”, desvela-se em esclarecer: “Mas isto entende-se de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único Mediador, que é Cristo” (LG, 62). E a respeito disto, cita o conhecido texto da Primeira Carta a Timóteo: “Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que Se entregou em resgate por todos” (LG 2, 5-6).
O Concílio afirma, além disso, que “a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; antes, manifesta a sua eficácia” (LG, 60). Longe, portanto, de ser um obstáculo ao exercício da única mediação de Cristo, Maria põe antes em evidência a sua fecundidade e a sua eficácia. “Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na Sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia” (LG, 60).
4. De Cristo deriva o valor da mediação de Maria e, portanto, o influxo salvador da Bem-Aventurada Virgem “de modo nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece” (ibid.). A intrínseca orientação da obra da “Medianeira” a Cristo impele o Concílio a recomendar aos fiéis recorrer a Maria, “para mais intimamente aderirem com esta ajuda materna, ao seu Mediador e Salvador” (LG 62).
Ao proclamar Cristo como único Mediador (cf. I Tm 2, 5-6), o texto da Carta de São Paulo a Timóteo exclui qualquer outra mediação paralela, mas não uma mediação subordinada. Com efeito, antes de ressaltar a única e exclusiva mediação de Cristo, o autor recomenda “que se façam súplicas, orações, petições e ações de graças por todos os homens...” (2, 1). Não são, porventura, as orações uma forma de mediação? Antes, segundo São Paulo, a única mediação de Cristo é destinada a promover outras mediações dependentes e ministeriais. Proclamando a unicidade da mediação de Cristo, o Apóstolo só tende a excluir toda a mediação autônoma ou concorrente, mas não outras formas compatíveis com o valor infinito da obra do Salvador.
5. É possível participar na mediação de Cristo em diversos âmbitos da obra da salvação. A Lumen Gentium, depois de ter afirmado que “nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor”, ilustra como é possível às criaturas exercer algumas formas de mediação, em dependência de Cristo. Com efeito, afirma: “Assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variadamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte” (LG, 62).
Nesta vontade de suscitar participações na única mediação de Cristo, manifesta-se o amor gratuito de Deus que quer compartilhar aquilo que possui.
6. Na verdade, o que é a mediação materna de Maria senão um dom do Pai à humanidade? Eis por que o Concílio conclui: “Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente e inculca-a nos fiéis...” (ibid.).
Maria desempenha a sua ação materna em contínua dependência da mediação de Cristo e d’Ele recebe tudo o que o seu coração desejar transmitir aos homens. Na sua peregrinação terrena, a Igreja experimenta “continuamente” a eficácia da ação da “Mãe na ordem da graça”.
* L´Osservatore Romano, ed. port. n.40, 04/10/1997, pag. 12(460)
Fontes:
Nenhum comentário:
Postar um comentário